domingo, 1 de junho de 2008

E QUEM PAGA É...


Esta é das histórias mais (tristemente) insólitas que tenho verificado na minha actividade profissional. Ao infeliz protagonista decidi chamar: Mexilhão.




Um dia, regressando da hora de almoço, verifiquei a presença de duas raparigas esperando à porta da clínica. A primeira reconheci-a como vizinha e cliente, a segunda não conhecia e apresentava uma caixa de sapatos na mão. Não duvidei: aquela caixa continha animal recém-nascido.




A minha vizinha apresentou-me a amiga, a qual havia encontrado ali aquela caixa, que continha um gatinho, o Mexilhão, que devia ter menos de uma semana. Observei o gatito, que apresentava duas feridas, aparentemente não infectadas (numa pata e na cauda). Mas necessitava de atenção e alimentação rapidamente.




Lembrei-me logo da Alexa, com duas ninhadas daquela idade em casa, sugeri que a colocássemos nessa família como a melhor forma de proporcionarmos a melhor hipótese de sobrevivência. A rapariga concordou.




Havia que começar a dar leite de substituição, pedi-lhe que fizesse a aquisição, já que não lhe cobraria a consulta. Concordou e quis ser a primeira a dar-lhe de mamar a biberão. Porque demonstrou intenção de ficar com o Mexilhão, combinei que pediria à Alexa para que o pudesse visitar. Agradeceu.




Lá foi com as minhas colegas, fiquei a fazer uma consulta. Quando terminei fui informado que a moça, após consultar a "autoridade maternal" (ipsis verbis), se recusara a pagar a lata, a ficar com o gato e afirmou que tinha tanta obrigação quanto eu de o fazer e que não fizera nada de especial ao oferecer a consulta.




Perante tal rajada de contradições surreais, liguei-lhe. Confirmou-me todas as transcrições que haviam relatado. Acabou por suster que não adoptaria o Mexilhão, que nunca tivera tal intenção. Caiu em si quanto ao pagamento do leite em pó, ainda essa tarde iria voltar para o fazer.



Mas eis que, ao final dessa mesma tarde, me irrompe uma... senhora com ar de autoridade maternal.



- "Eu quero saber o que aconteceu aqui com a minha filha!", vociferou.



Levei-a para conversar no consultório. Foram vomitadas as expressões exactas que a sua filha havia transcrito antes, algo hesitante e a medo.



Mesmo que tentasse, a opinião já vinha formada: a minha obrigação em manter qualquer animal apresentado à minha porta (que defendia com uma lei-fantasma), a certeza que sabia como os veterinários "operam" (baseada na existência de veterinários na família e na sua experiência como cliente) e a certeza que a minha clínica não teria sucesso (já que insistia em alienar uma vizinha - o seu negócio está nas traseiras da clínica).



Às patas tantas, verificando a minha irredutibilidade em acreditar que me assistia o direito em ver pago o leite, declarou:



- "Então vá, eu pago o leite, dê-me a embalagem e o gato!"



Pensei de imediato: "Para que quer o gato?"



É óbvio que que pagaria era o Mexilhão, não acredito que o levasse para casa e, resignado em abdicar de um direito e de dinheiro, preferi que fosse embora sem pagar a deixar ir embora o gatito com ela...



P.M. (post-mortem): o Mexilhão veio a falecer poucos dias depois, apesar das gatas da Alexa o terem recebido como seu, não lhe estava fadada boa sorte. Quanto à "autoridade maternal", fiquei mais descansado em descobrir, por outros vizinhos, que a sua fama já era precedente e aquela demonstração era costumeira e do seu carácter. Mas entristeceu-me tentar ajudar e ser destratado daquela forma, ao tentar ajudar...